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Eu nasci na capoeira.
Sou filho de capoeirista, meu pai se chamava Mestre Biriba e foi aluno e formado na turma 1980 do Mestre Suassuna.
Minha mãe fazia atletismo e capoeira, e com oito meses de gestação ela estava jogando capoeira na roda e sentiu umas contrações, foi pro hospital e eu nasci.
O interessante é que até o médico que acompanhou meu parto era mestre de capoeira.
Acho que assim comecei na capoeira, engatinhando na academia do meu pai e crescendo com a capoeira na minha casa, recebendo visita dos mestres em casa e desde pequeno aprendendo a admirar e acima de tudo respeitar os velhos mestres.
No início dos anos 90 meu pai e meus dois tios, Mestre Mancha e Mestre Beleza começaram a construir juntos a sede da nossa academia união capoeira e a partir da inauguração passei a treinar com meu tio Mestre Mancha e com ele me formei em 2002.
A partir da minha formatura muitas coisas começaram a mudar na minha vida como capoeirista e uma delas foi começar a ser convidado para fazer shows de capoeira e participar de eventos fora do Brasil.
Viajar para fora do Brasil nunca tinha passado pela minha cabeça, cresci escutando meu pai tocando viola caipira, minha mãe escutando samba e música popular brasileira, quando criança nunca tive interesse pela cultura que vem de fora do Brasil, me lembro que na escola eu não gostava de estudar inglês e dizia que eu era brasileiro e tinha que aprender o português do Brasil e a história do Brasil, até que um dia eu fiz a primeira viajem pro exterior e não falava absolutamente nada de inglês, foi uma fase de adaptação muito difícil mas também muito rica em aprendizado e experiências incríveis.
Passei por lugares que nunca imaginei estar um dia, lugares que eu só via na televisão ou em revistas.
Entre idas e vindas do Brasil sempre dei continuidade no meu trabalho como profissional da capoeira e desenvolvi projetos sociais, dei aula em escolas e academias, sempre continuei buscando aprendizado, estudando a capoeira, treinando, sempre fazendo cursos com grandes mestre, me reciclando mas nunca me deixei acomodar.
Hoje conheço mais de 20 países onde fui sempre convidado para fazer shows de capoeira, workshops, levando uma pequena vivência daquilo que tenho aprendido na capoeira durante minha vida e passando um pouco da minha filosofia e didática que desenvolvo meu trabalho.
Hoje sou responsável e supervisiono alguns dos meus alunos que desenvolvem trabalhos com a capoeira em mais de sete países diferentes.
A capoeira me proporcionou conhecer lugares maravilhosos, pessoas incríveis, culturas belíssimas, culinária exótica e deliciosa, porém, como eu disse, nunca imaginei que sairia do meu próprio bairro onde cresci, nunca imaginei que sairia da periferia da zona norte de São Paulo e daria a volta ao mundo, e cada um desses lugares que estive tem um significado muito especial na minha vida, não só como capoeirista mas também como ser humano.
Eu vim de uma comunidade de risco onde é muito fácil ver crianças cada vez mais cedo escolhendo o caminho do crime e das drogas, hoje em dia eu conto nos dedos os amigos que tive de infância que não foram pesos, que não perderam a vida ou que não se envolveram na vida do crime.
Essa é uma realidade ainda muito triste não só da periferia de São Paulo mas triste no Brasil todo.
E vejo um grande potencial da capoeira como ferramenta de inclusão e também de resgate.
Hoje eu estou me dedicando no início de mais um projeto social na cidade de Guaratinguetá, interior de São Paulo, onde inaugurei minha nova academia em maio de 2016.
Por a capoeira ter me proporcionado tantas coisas boas durante minha vida, hoje eu me preocupo muito em poder retribuir algo de volta para a capoeira e uma delas são as cantigas que escrevo, sempre fui um capoeirista muito tímido e muitas vezes chegava nos eventos mudo e saía calado, então comecei a colocar meus pensamentos no papel e hoje tenho dezenas e dezenas de catingas autorais, então, essa foi uma das formas que consegui expressar meus sentimentos pela capoeira, há algum tempo também venho me dedicando a um livro que estou escrevendo sobre o berimbau na capoeira e influência da cultura africana no Brasil, este livro ainda não tem previsão de lançamento pois considero o berimbau um instrumento sagrado e penso que ainda preciso de muita pesquisa pra falar sobre ele e sua história.
Como já citei antes, eu estou neste momento começando um projeto social na cidade de Guaratinguetá onde nosso espaço vai receber crianças de 5 a 16 anos, onde vão receber aulas de capoeira, dança, percussão, também vamos acompanhar a frequência dessas crianças na escola e de seus boletins escolares, além do intercâmbio que farão durante o ano com alunos estrangeiros que visitam nosso espaço e contribuem com o projeto ensinando um pouco da língua e sua cultura, não pode deixar de falar sobre o CD de capoeira que vou gravar agora em agosto de 2017 e vou lançar ainda este ano, não vou gravar um CD porque acho que tenho voz bonita ou porque sou um cantador da capoeira, negativo, vou gravar pelo simples fato de que depois de muitos versos escritos hoje eu acho que alguns deles podem ser compartilhados e em algum lugar nesse mundão da capoeira muitas pessoas vão se identificar ou ter algum sentimento bom através dessas cantigas.
A capoeira pra mim é sentimento mas cada um sente a capoeira de uma forma diferente, eu sinto que não preciso fechar a cara pra ninguém e jogar ninguém de cabeça no chão sem me preocupar com a integridade física do camarada, o capoeirista anda com o ego muito inflado, como um balão e se você encosta ele explode, não me importa se você me deu uma banda ou colocou um martelo, tomar uma rasteira faz parte do jogo, mas até agora tem muito capoeira que se ofende, capoeira é pergunta e resposta, e se eu vejo que a conversa não me agrada, eu dou a mão, agradeço e vou pra casa, todo capoeirista tem escolha, você só fica em um jogo muito agressivo se você quiser mas se tem uma coisa que eu aprendi no pouco tempo que tenho na capoeira é simplesmente que não tenho que provar nada pra ninguém.
E hoje a única prova que dou a todos com relação a capoeira na minha vida é o sentimento de amor e a gratidão por a capoeira ter me levado por um caminho que nunca pensei em percorrer.
Gratidão a capoeira
Gratidão.

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